Podia ser outra pessoa a falar da urgência de uma revolução no mundo? Podia, mas não era a mesma coisa. João Braga, habitualmente considerado um conservador empedernido, troca as voltas aos leitores para atacar o capitalismo e fazer pouco, imagine-se, do vil metal. Porque quer que os netos, Maria, de sete anos, e António, de três, cresçam num mundo onde o dinheiro mande menos que o amor. O amor, ou liberdade, que, para si, constituem o verdadeiro significado do Natal.
VIP – Numa conversa que vai versar, inevitavelmente, sobre fado e Natal, que música é que dedicava a uma quadra que está a ser marcada por temas tão polémicos como a crise, julgamentos de administradores de bancos que têm ex-ministros como arguidos, Wikileaks…
João Braga – Dedicava A Casa da Mariquinhas e O Leilão. A primeira, porque a casa era frequentada por pessoas pouco recomendáveis; e depois O Leilão porque a coisa correu mal.
Então, está a querer dizer que têm passado pessoas pouco recomendáveis pelo nosso país?
Têm passado e têm ficado. Agarram-se como se fossem lapas.
Mas isso não o deprime ao ponto de lhe afectar o espírito natalício…
O espírito de Natal é algo que tento manter ao longo do ano porque para mim o Natal é Jesus. Por influência da educação que recebi em casa, talvez… não havia Pai Natal, mas sim Menino Jesus. Lá em casa, na altura, também não havia Coca-Cola. Não havia esta profusão de Pais Natal que há agora e que desvirtuam, a meu ver, o sentido de Natal, que é nós meditarmos e agradecermos por ter aparecido Este igual a nós, que fez o que fez para que norteemos as nossas vidas por algo que nos ponha em contacto com o nosso ser e não com o ter.
O Natal possui, para si, sobretudo um carácter sagrado… Vai à Missa do Galo todos os anos?
Sim, vou à Missa do Galo e comovo-me sempre. Nas Missas do Galo, os padres capricham, as músicas de Natal são muito bonitas. Para mim, o Natal é isso. E não o Natal acelerado e dos presentes que se vive hoje em dia.
Acha que as pessoas apenas celebram o "Natal Coca-Cola"?
É o contra-relógio do consumo. Isso diminui o ser humano em vez de o elevar. Esta lógica, que há desde sempre, da usura, da avareza, infelizmente, é degradante e tem sido levada ao extremo. Vão aparecendo correntes político-ideológicas que vão tentando contrariar este inferno consumista, mas que depois se deixam elas próprias envolver neste inferno. Isto só lá vai com uma revolução à escala mundial. Tem de ser uma revolução de mentalidades. Tem de se dar menos valor ao dinheiro. Se as pessoas pensarem bem, o dinheiro é uma coisa que não existe, é uma coisa fictícia, é um título de dívida. Repare que até após o desmanchar da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, a própria China foi convertida ao capitalismo. Ou alguém os converteu. É que, pelo menos, serviam para travar esta rapaziada.
O João Braga a falar da China e de revolução… Isso vindo de uma pessoa de direita parece um pouco anómalo!
Ainda bem que fala nisso. As posições de direita foram-me atribuídas. Como as posições de esquerda já me foram atribuídas, como aconteceu no Estado Novo. Quem não concorda com o discurso politicamente correcto do pós 25 de Abril é fascista. Eu não sou de direita nem de esquerda. Todos temos coisas que são atribuídas à esquerda e à direita. A não ser uns anormais que, por pose ou folclore, fazem umas afirmações patéticas. O que há é rótulos. Esta divisão entre a esquerda e a direita só interessa aos políticos, é aquela coisa muito antiga: “o dividir para reinar”.
E julga possível os seus netos assimilarem os seus valores, a presença de Deus, por exemplo?
Acho difícil porque o caminho que a sociedade leva é contrário aos ensinamentos de Jesus. Mas vou tentar ensinar aos meus netos o conceito de liberdade de Jesus, que é o conceito de liberdade que permite negar a existência do próprio Deus.
Que tipo de relação tem com os seus netos?
Sabe que com os filhos muitas vezes temos uma relação meteórica, porque aos trinta e tal anos a vida não nos deixa muito tempo para estar com eles. Com os netos é exactamente ao contrário e eles afeiçoam-se muito a nós. É uma coisa extremamente terna estar com um neto. Sobretudo o Miguel, deixa-me cá o António em casa desde que ele nasceu.
A mulher do seu filho Miguel também é uma figura pública (a apresentadora Leonor Poeiras). Dá-se bem com ela?
Ela é tão bem-disposta que é impossível ter uma má relação com ela. Aliás, dou-me muito bem com as minhas duas noras.
Qual seria então o presente de Natal ideal? Para pedir, claro, não ao Pai Natal, mas sim ao Menino Jesus…
O ideal era que acabasse esta espiral de glorificação da ganância em que se caiu. Mas Ele criou--nos livres, Ele ajuda-nos, mas é preciso que nós queiramos.
Texto: Nuno Calado Costa; Fotos: Rui Costa; Produtor: Marco António; Cabelos e Maquilhagem: Vanda Pimentel, com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel
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