Na semana em que lançou o romance Anjo Branco, inspirado na vida do pai e no passado em África, a VIP falou com José Rodrigues dos Santos que revelou que precisa de tranquilidade para escrever e que, na era de todas as tecnologias, o seu sucesso de vendas se deve ao "boca em boca"…
VIP – Fale-nos deste seu Anjo Branco que nos transporta para África, um tema recorrente em si.
José Rodrigues dos Santos – É a primeira vez que escrevo sobre África, mas sim, é recorrente porque nasci em Moçambique. É um romance em que a personagem principal é inspirada no meu pai. Através da história dele procurei transportar o leitor para África nos anos 60, para o ambiente colonial que existia, mas também para a guerra colonial. Parte do romance decorre em Luanda, em 1961, quando a guerra começou, e depois passa para Lourenço Marques e Tete.
Onde viveu…
Sim, onde vivi praticamente até aos oito anos. Nasci na Beira, mas fui com semanas para Tete. Lá o meu pai fundou, em 1968, o Serviço Médico Aéreo. Tinha um avião e voava de aldeia em aldeia. O que é interessante é que em todo o continente só havia um outro serviço médico aéreo, no Quénia, que era de uns alemães. Tete, para a pessoas terem uma ideia, é um distrito do tamanho de Portugal Continental, mas só havia três ou quatro médicos para dar assistência toda, portanto ele tinha de voar para muitos sítios. E achei que era interessante contar essa história.
Tem essas memórias muito frescas?
Sim, porque cheguei a voar com ele. Lembro-me muito bem, até porque foi importante no contexto da ajuda sanitária em Moçambique.
Quando parte para a escrita de um romance já tem a história na cabeça?
Varia de caso para caso. O meu processo é primeiro ter a ideia e fazer a pesquisa. Enquanto pesquiso, a história começa a ganhar forma, começam a aparecer coisas que acho interessantes explorar. Só depois vem a escrita. Sei sempre como começo, desenvolvo e acabo, mas é um plano flexível porque posso ter novas ideias ou a própria escrita conduzir-me por uma nova direcção.
Já está habituado a ser um bestseller e a esgotar livros num dia…
Fico verdadeiramente surpreendido porque nunca pensei que isso viesse a acontecer, mas pensando um bocado é fácil perceber porquê. Para mim, um bom romance é uma história bem contada. Se a história for boa, mas mal contada, o romance não é bom. Claramente os leitores concordam comigo. Tento que o trabalho que faço corresponda a essa expectativa. Se um leitor pega num romance meu, gosta de o estar a ler, sentir prazer nisso, então vai recomendar. É e isso que faz o sucesso dos romances: gostar e recomendar a amigos. Houve um chefe de uma das livrarias mais importantes do País que me disse uma coisa interessante: "Sabe, os seus livros são daquele tipo muito raro que vende tão bem no Dia do Pai, como no Dia da Mãe, porque é apelativo tanto para homens como para mulheres."
Quando escreveu o seu primeiro livro não achou que o liam pela curiosidade de ver como se saía o jornalista?
O leitor de romances é desconfiado. Quando publiquei o primeiro, A Ilha das Trevas, desconfiaram de tal modo que vendeu muito pouco. O segundo romance já vendeu melhor. Os leitores também venceram um preconceito. Na realidade é disso que se trata, um preconceito, porque a profissão que mais escritores forneceu foi a de jornalista. Penso que a segunda é médico. O José Saramago foi jornalista, o Eça de Queirós foi jornalista… O que fez estes romances foi o facto de as pessoas que leram e gostaram começarem a recomendar a outras. Cresceram assim.
O que precisa para escrever?
O mesmo que precisa o Paulo Bento na Selecção, tranquilidade. Gosto de escrever logo de manhã, muito cedo. Acordo fresco, a coisa sai bem. Se houver muita confusão é contra-producente. Fazer um romance é 95 por cento transpiração e cinco por cento inspiração. A inspiração ocorre sobretudo quando estamos a conceber a ideia, a estrutura do romance. Depois da estrutura definida, é um esqueleto e é só pôr a carne, os nervos, o sangue… e é aí que começa a transpiração. Na concepção de um romance, a única coisa que não me agrada são as revisões constantes. À quinta vez já deitamos a história "pelas orelhas", que no meu caso é fácil, considerando o tamanho das mesmas (risos).
Não consegue não estar a trabalhar num livro…
Não. Para mim tornou-se um hobby. Há quem vá passear ao supermercado, jogue golfe, eu escrevo romances. É o meu hobby.
Os direitos cinematográficos do Codex 632 foram vendidos para os EUA. Vai passar a filme?
Houve uma agência de cinema que pediu para representar o romance em Hollywood e foram-lhe entregues os direitos, mas isso não quer dizer que venham a fazer um filme. Por exemplo, falei com o Jeffrey Archer – que já vendeu 220 milhões de livros – e disse-me que os direitos foram todos vendidos, mas que não foi feito nenhum filme. As major norte-americanas compram os direitos de 500 livros, mas depois só produzem 12 por ano.
Por cá o Leonel Vieira comprou os direitos da Ilha das Trevas.
É a mesma situação. Que eu saiba ainda não há nada.
Caso algum dos dois se venha a concretizar, gostava de acompanhar o processo?
Não. Eu defendo a ideia de "cada macaco no seu galho". Estudei um pouco de guionismo e o que me apercebi é que o filme é uma outra história, com uma vaga semelhança com a original. Não depende de mim… o meu trabalho é fazer romances.
É muito crítico quando lê?
Não. Cada autor tem a sua técnica, a sua voz. O que gosto é que seja uma história bem contada. Sou omnívoro. Mas quando começo a ler um romance, e logo na primeira página tenho de voltar atrás, isso é um problema.
E como lida com a crítica?
As críticas mais interessantes são as que se fazem fora do País. Quando uma pessoa faz uma crítica a um livro meu em Portugal não consegue dissociar o autor do jornalista. Se gosta, talvez seja mais condescendente, se não gosta não o será. No estrangeiro é muito mais fácil. O que é que um crítico literário alemão, espanhol ou holandês sabe de mim? Nada! Nunca me viu e portanto faz uma crítica ao livro. É natural, normal, humano… se se tem uma antipatia fala-se mal, se se simpatiza fala-se bem.
O seu site é totalmente em inglês. Porquê?
Porque é para o mercado internacional. Os portugueses já me conhecem.
Mudando para o jornalismo: está a fazer 30 anos de carreira…
É verdade e vou fazer 20 anos de Telejornal.
A paixão ainda é a mesma?
É um pouco diferente. Quando começamos estamos sempre a descobrir coisas novas e ao longo do tempo vai-se tornando repetitivo. O Fernando Dacosta contou-me que deixou o jornalismo e se tornou romancista quando estava no Público a escrever uma notícia, parou, olhou para ela e pensou "eu já contei esta história há 15 anos, com outras personagens, mas a mesma história". Isso às vezes acontece-me… a nível de escrita, para mim, a descoberta é a escrita romanceada. Isso sim, é a novidade.
É isso que o apaixona…
Neste momento é. Enquanto jornalista gosto quando vou a qualquer sítio e há alguma coisa que me desafia.
Tem saudades do terreno?
Nesse tipo de histórias de que falei antes, que são um desafio, sim e é bom para sair da rotina. Mas também gosto de estar meses sem as fazer. No fundo gosto de criar uma aventura na minha vida profissional de jornalista.
Escreve os seus pivôs?
Sim, sim, sempre. Os repórteres escrevem uma sugestão e depois adapto ao meu texto, à minha voz.
Ainda existem segredos para desvendar nesta profissão?
Acho que já há poucos. Ao fim de 30 anos já não há muitas novidades. Não quer dizer que uma vez ou outra não se tenha uma surpresa, às vezes mais desagradável do que agradável, mas já não há grande novidade.
Enquanto jornalista recebeu alguns prémios. Como encara isso?
Não faço trabalhos para receber prémios. Claro que é engraçado ser reconhecido e é curioso que à medida que o tempo vai passando gostamos mais disso do que de início, embora fossem mais úteis no início. Quando estou a escrever, quem domina a minha mente é o leitor ou o espectador. Escrevo para leitores, não para prémios.
Como vê o jornalismo de hoje em dia?
Acho que é muito mais profissional do que era quando cheguei a Portugal. Não existia rigor do ponto de vista da técnica, do discurso, dos conteúdos. Penso que tudo isso melhorou. A única coisa que se perdeu verdadeiramente foi o horizonte ético. Antigamente fazia-se o que se achava correcto, hoje em dia faz-se o que é eficiente…
Não há limites?
Pode haver, mas são muito mais flexíveis. Dar importância à ética, à liberdade… hoje em dia as pessoas tomam isso como garantido e não é!
Como gere ser jornalista, escritor, professor, pai, marido…
Como todas as pessoas. Concilia-se o que é possível conciliar. Não é problemático.
Como vê os cortes que vai sofrer no salário, a rondar os 500 euros…
Desde que as medidas sejam universais, não tenho nada a opôr e acho que quem ganha melhor deve contribuir com mais. Para mim isso é uma evidência. Se as pessoas sentirem que há moral, fazem esse sacrifício, mas há que sentir que não há excepções.
Texto: Carla Simone Costa; Fotos: Rui Costa
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