Foi a primeira mulher portuguesa presidente de uma multinacional (Olgilvy & Mather Portugal), mas nunca abdicou da vida familiar nem de só trabalhar em áreas em que se sente realizada. Apesar de estar reformada, Rosalina Machado parece não ter perdido nem a energia nem a boa disposição. É com essas armas que enfrenta um desafio inédito: ser proprietária de um restaurante tradicional numa das zonas mais carismáticas de Lisboa, o Chiado. Ao mesmo tempo, prepara-se para lançar no mercado a sua marca de vinhos do Douro.
VIP – Como é que surgiu esta incursão na restauração?
Rosalina Machado – Foi um presente do meu marido, que de vez em quando faz estas brincadeiras. Um dia o Francisco telefonou-me a perguntar se eu queria que ele me desse uma vinha. Eu gosto de vinhos, mas de vinhas não percebo nada. Ele estava em Foz Côa, mesmo em frente à Quinta do Barca Velha, e quando chegou no dia seguinte disse-me que eu tinha uma vinha no Douro. Afinal, eram 20 hectares, mas ainda não era vinha, era só o terreno, faltava a autorização de plantio. Conclusão: tive uma vinha que não era vinha durante sete anos, porque o plantio é cinco ou seis vezes mais caro do que o próprio terreno. Há três anos o Francisco mandou lá plantar a vinha, mas em dez anos confesso que só lá fui duas vezes. Para o ano terei vinho próprio, que se chamará Quinta de S. Mateus. O restaurante foi também uma surpresa.
O seu marido não lhe dá presentes embrulhados, como jóias?
Também dá, aliás eu já lhe pedi para não me dar mais jóias. Ele é realmente generoso, algumas das jóias que ele me ofereceu eu nunca cheguei a usar porque são demasiado vistosas, gosto mais de as ter do que de as usar.
Como é que foi a oferta do restaurante?
Um dia o Francisco chegou a casa e disse: "Vou oferecer-te um restaurante, o Belcanto." Eu tinha vido cá umas quatro vezes na vida, apenas, e sempre disse que não saberia gerir nem um hotel nem um restaurante, mas o Francisco já se tinha comprometido. A partir daí enfrentei o desafio de transformar um restaurante no coração da Lisboa, que é parte da história da cidade, sem alterar a sua marca distintiva. Fechámos no mês de Agosto para obras e abrimos em Setembro, sem inauguração. Comecei pelas montras, que eram claramente de um bar masculino e passaram a ter um ar de restaurante. Os habituées assustaram-se, pensaram que íamos estragar tudo, mas a verdade é que as pessoas que frequentam o restaurante são as mesmas. A diferença é que agora vêm também os filhos dos clientes habituais e o restaurante está sempre cheio. A verdade é que isto é uma tarefa de mecenato e nem nos próximos 20 anos vou recuperar o passivo. Já me satisfaz se conseguirmos manter a qualidade, manter a relação de cliente-amigo e chegar ao break-even. Os clientes aqui funcionam quase como donos da casa e essa relação queremos que se mantenha, mas passando a trazer os filhos e os netos, como já tem acontecido. Por outro lado, temos conseguido ter mesas só de senhoras, o que não acontecia antes. Outra coisa que acho importante é que dois dos empregados, o João e o Aníbal, que trabalham cá há mais de 40 anos, passaram a ser sócios. Foram eles que, durante anos, mantiveram o local. Nunca é um jogador sozinho que ganha um jogo ou um campeonato.
Tem uma carreira de sucesso. Olhando para trás, de que é que se orgulha mais?
Orgulho-me muito de ter sido pioneira como presidente de uma multinacional em Portugal, num campo que aparentemente era muito difícil e que nunca tinha sido ocupado por uma senhora. Sinto orgulho em saber que a minha audácia serviu de inspiração para algumas gerações seguintes que tiveram como padrão a minha audácia, ou a minha capacidade. Ter criado uma carreira no feminino e que foi seguido por jovens é algo que, logicamente, me satisfaz.
Que características acha que a ajudaram a triunfar num mundo de homens? Porque não é tão fácil como parece pelas suas palavras…
Primeiro, nunca considerei que a minha actividade era um palco; fui sempre aquilo que naturalmente sou. Não é uma questão de inteligência nem de disciplina, mas a verdade é que a vida me tem protegido imenso. Tudo aquilo que me tem acontecido tem sido com simplicidade, sem estratégia, sem atropelos. Ter tido essa facilidade ou por tê-la conquistado, através de um equilíbrio que eu tenho tentado manter na vida, foi importante para as pessoas acreditarem em mim. As apostas que fiz, fiz sempre porque acreditava. Sempre que prometi uma coisa aos clientes – ou melhor, aos parceiros de negócios – fazia tudo para que realmente isso se concretizasse.
Como é que deu o salto de estudante de Direito para o mundo dos negócios?
Havia um primo direito da minha sogra, o Manuel Queiroz Pereira, que tinha nessa altura o jornal A Capital e convidou-me para estar à frente do suplemento feminino. Nessa altura contratámos uma agência de publicidade para divulgar aquele que foi o primeiro suplemento a cores. Eu tinha 23 anos. O suplemento era sobre a mulher na vertente política, desportiva, etc., e foi um sucesso. Entretanto, veio o 25 de Abril e essa agência que trabalhava connosco abriu falência. Várias pessoas amigas, entre elas o António Dias da Cunha, que era administrador do Entreposto, e o presidente da Varig perguntaram-me porque é que eu não começávamos uma agência. Logo ali escolhemos o nome: DC3, os aviões em que a Varig começou a voar antes de passar para Boings. A DC3 esteve durante cinco ou seis anos entre as dez maiores agências de publicidade. Nessa altura, a multinacional Ogilvy andava em Portugal a estudar a compra de uma agência ou começar uma de raiz. Uma prima minha que conhecia o presidente europeu pediu-me para dar informações sobre as pessoas e empresas que eles já tinham seleccionado. A meio do processo, o presidente da empresa disse-me que gostava de fazer essa empresa comigo. Eu nunca tinha pensado nisso e além disso havia alguns problemas entre as multinacionais e as empresas locais e eu não estava interessada em entrar nesse conflito. A verdade é que acabei por aceitar. Ainda hoje não sei qual o grau de inconsciência, mas foi um risco que resultou. Hoje, que estou retirada, sinto mais que fui uma referência no feminino do que sentia na altura. Tinha a perfeita noção de que a minha carreira podia ter acabado ali e de que muitas pessoas que estão à frente das empresas têm um reconhecimento interno, mas não têm reconhecimento do outro lado da rua. Eu consegui, felizmente, ter os dois.
O casamento parece um alicerce muito grande na sua vida. Se tivesse tido uma vida afectiva diferente, será que a sua carreira teria tido este sucesso?
Eu contrariei aquilo que os meus pais queriam e contrariei aquilo que o meu marido queria. O Francisco, quando casou, achou que eu seria uma dona de casa. A primeira vez que eu lhe disse que tinha tido um convite para trabalhar – para um programa semanal da RTP semanal, uma espécie de suplemento da Capital em televisão – expliquei-lhe que era engraçado e que ia ganhar dinheiro. Nós vivíamos no Campo Grande e ele respondeu-me: "Se é para ganhar dinheiro porque é que não vende amendoins aqui à porta nos dias de futebol?" Mas também isso foi ultrapassado de uma maneira tranquila.
Esse respeito pelo espaço da outra pessoa é um segredo do seu casamento?
É. Questionamos, discutimos, contrariamos, nalgumas coisas somos o oposto, mas é isso que faz o equilíbrio.
Todas as mulheres que têm família e carreira profissional sabem que conciliar é o mais difícil. Como foi no seu caso, com um filho?
Eu nunca senti necessidade de lamentar fosse o que fosse. Todas as pessoas têm problemas e eu sempre tive vários, mas aquilo que são problemas para os outros são, para mim, coisas que têm que ser ultrapassadas. Eu nunca digo: "Porque é que me aconteceu a mim?" Eu digo: "Porque é que não me há-de acontecer a mim? Acho que essa não necessidade de falar com os outros tornou-me egoisticamente independente. Também tive sorte porque aceito o feminino na minha maneira de ser, o que nem sempre é fácil. Mesmo a aceitação pelas outras mulheres, que nem sempre é muito fácil, sempre foi para mim fundamental e sempre aconteceu de forma pacífica.
Quando o seu filho nasceu não pensou ficar só dedicada a ele?
Comecei a trabalhar só depois do João ir para o infantário, com quatro anos, e tinha a preocupação de sair de casa depois dele e de entrar antes dele chegar. Primeiro, porque o João foi um filho muito, muito desejado. Durante anos eu tive pena de não ter nenhum filho e depois, de uma forma que eu considero também muito positiva, pensei: ter um é melhor do que não ter nenhum, portanto tenho imensa sorte.
A Rosalina tem um ar muito bem-disposto e sorridente. Essa alegria tem ajudado?
A alegria vem do facto de gostar da vida e da minha vida e de achar que há imenso para fazer. Só há duas coisas que eu detesto na vida: a mentira e o ridículo. Se esta vontade de viver – e de viver da minha maneira – alguma vez fizer de mim uma velha ridícula eu peço às pessoas que são minhas amigas que me avisem porque é uma coisa que me apavora na vida.
A Rosalina tem dois netos. Como é a sua relação com o estado de avó?
Com o estado de avó estou felicíssima. Para mim, ser avó é tão bom como ter sido mãe. Brinco com os meus netos às escondidas, aos saltos em cima da cama… há um companheirismo, eu consigo ser da idade deles sem fazer esforço.
Alguma vez pensou enveredar pela política?
Não. Já tive vários convites e já fui candidata pelo Partido Socialista como independente ao Parlamento Europeu. Com imensa satisfação, fui uma das pioneiras nas campanhas políticas, com o Dr. Mário Soares. Participei no Movimento de Apoio a Soares, na campanha do Dr. Jorge Sampaio, fui mandatária da Dra. Edite Estrela, de quem sou muito amiga. Mas acho que só se pode estar onde se gosta e eu de política não gosto; gosto de acções. Adquiri o direito de só me sentir bem onde gosto de estar, e na política não gosto de estar.
Que sonhos é que ainda gostaria de concretizar?
Imensos. Ajudar a conseguir um mundo melhor, ajudar, por exemplo, à finalização do lar que a Associação Nacional de Esclerose Múltipla pretende fazer no Norte. No fundo é ter saúde, a família ter saúde e ajudar alguns que têm muitas dificuldades a terem um mundo melhor.
Texto: Cristina Ferreira de Almeida; Fotos: Rui Costa; Produção: Marco António
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