Não quer Best Of’s. Nem hits de seis em seis meses. Fafá de Belém está em Portugal para desvendar a sua alma no novo espectáculo Piano e Voz. Uma menina de Belém do Pará que nunca sonhou em ser uma cantora de sucesso e que cresceu a ouvir clássicos como Ella Fitzgerald. A filha de um anarquista que hoje quer mostrar o vendaval das suas emoções ao juntar num mesmo repertório grandes temas brasileiros, ícones do nosso fado e da música contemporânea portuguesa. De emoções à flor da pele, Fafá pontuou a entrevista com lágrimas, muitas, e gargalhadas sonoras, em igual número. Um furacão de emoções que revela estar pronta a apaixonar-se de novo depois de um ano dedicado a minorar o acidente vascular cerebral que acometeu a sua mãe. Fafá de Belém, uma mulher intensa que quer reencontrar o amor.
VIP – Em tempos, disse que gosta "de transar" com tudo aquilo que faz. Agora que veio apresentar um espectáculo mais intimista, chamado "Piano e Voz", que tipo de "transa" é esta que a Fafá tem para mostrar aos portugueses?
Fafá de Belém- (Risos) Nasci numa família onde a discussão política e a música eram uma constante. Era a única menina, era mais nova e não tinha paciência para ficar a brincar com bonecas. Procurava sempre alguma coisa nessas conversas em que pudesse participar desse mundo mais inteligente. Então, a música sempre foi algo que tinha que ecoar na minha alma com algum sentido de alegria, de parceria, de desencontro… Tinha de provocar uma emoção em que existisse uma verdade para comunicar. Este espectáculo, "Piano e Voz", mais intimista, nasceu do espectáculo Maria de Fátima Palha de Figueiredo, quando completei 25 anos de carreira, fugindo àquelas colectâneas óbvias de grandes sucessos e procurando antes as origens, aquilo que me fez começar a cantar, jazz, blues…
Vamos ver uma Fafá menos explosiva, mais virada para dentro?
Sabe que, na verdade, sou uma pessoa muito tímida… Ainda que tivesse de criar um "tractor" para poder aguentar o sucesso. A minha música explodiu quando tinha 18 anos e eu era uma jovem de Belém do Pará, uma província do extremo Norte do Brasil. A personagem Fafá de Belém foi-se formatando e escudando através de uma série de cascas para aguentar o sucesso. O facto de eu ser grande e intensa, com uma forte gargalhada, formatou uma personagem que não tem a ver com a minha anima [alma, em latim]. As pessoas habituaram-se a associar-me ao lado das grandes festas, que é mais fácil, mas eu preciso do outro lado, de cantar aquilo que tem a ver com a minha memória afectiva, com o lado das minhas angústias mais profundas. E, no ano passado, decidi acabar com os concertos em grandes festas, em Portugal, e optar por um espectáculo em pequenos auditórios.
E acabou por incluir no seu repertório vários temas portugueses…
Sim, temos fado, Paulo Gonzo, Rui Veloso e outras coisas do Portugal ainda mais recente. (Fafá emociona-se) Primeiro, acho que o Brasil deve esse reconhecimento a Portugal. Somos muito bem recebidos aqui. Mas, além disso, acredito que esta é uma oportunidade não só para cantar o fado, mas também toda uma canção contemporânea portuguesa muito bem construída, com grandes letristas, como o Carlos Tê. O fado fala desse sentimento da dor, mas temos hoje grandes compositores portugueses que falam do sentimento com a mesma intensidade, mas com outra roupagem. Quero reverenciar essas pessoas. Não preciso mais de lançar um êxito por ano. Eu já escrevi a minha história.
Ainda enquanto falava, a Fafá acabou de se emocionar, com as lágrimas a aflorarem-lhe nos olhos. Diz que precisa de se arrepiar para cantar. Ao fim de tantos anos, ainda se arrepia mesmo sempre que canta?
Muito. Sim, emociono-me muito. Ainda agora, no espectáculo de Carnaval no Casino Estoril, havia uma música, que se chama "Amazónia", com um arranjo denso e uns tambores baixos, fiquei muito emocionada porque a plateia inteira calou-se. Fiquei tão emocionada… Pronto, acabei de chorar. (as lágrimas enchem-lhe os olhos)… Eu sou uma menina da Amazónia, nunca pensei em ser cantora e estar nos palcos.
Pelos vistos, basta dar uma entrevista e lembrar-se das músicas. É que já está chorar outra vez…
É… É desta emoção que eu não abro mão. Seja a cantar o Vermelho, seja a cantar o Avé Maria.
Avé Maria, um tema que traduz a sua imensa fé, outro pólo de emoções fortes.
Sim, é um tema que cantei para o Papa anterior e para o actual. Sim, acredito que cada momento adverso é um ensinamento e uma aprendizagem. Acho que temos de ter respeito por tudo aquilo que passamos e a fé é fundamental. No meu caso, a fé faz-me crer que há luz no fundo do túnel. A fé ensina-nos que é possível atravessar o túnel. Acredito que essa energia mariana e feminina é fundamental para tudo. Não sou de muitas missas nem de ir à igreja todos os dias, mas aprendi com o meu pai e com as pedras que tive de atravessar que a fé é fundamental.
E o fado português também mexe nessas emoções fortes?
Sim, uma vez estava a ouvir o Carlos Zel, em que ele cantou Fado Loucura e eu desatei a chorar. "Poetas do meu país/Troncos da mesma raiz…" Pronto, já estou a chorar outra vez. Esta é a história da minha vida… os amigos, as canções… e canções que possam falar às pessoas de emoções. E se não me emocionar como é que eu faço?
Grande parte das fortes emoções que a unem a Portugal passa, como referimos atrás, pela fé e, naturalmente, pela devoção a Fátima, não é?
Quando venho a Portugal, vou sempre a Fátima e vou ao Tia Alice comer um bacalhau. Vou sempre a uma capelinha em frente ao Tia Alice. Uma capelinha que agora encheram de plasmas e eu não sei porquê. Senti-me completamente invadida com tantos plasmas. Pelo amor de Deus, não façam isso! Aquele é um momento de reflexão e recolhimento. Sim, tenho uma relação com a fé muito forte que já vem do meu pai. A fé fez o meu pai recuperar de um tifo mesmo depois de ter recebido a extrema-unção. Acredito que é sempre possível sair melhor de cada momento adverso.
Além da fé, as suas relações afectivas também são fundamentais na maneira como se relaciona com as emoções próprias da vida.
Já tive um, dois, três namorados… Estou sempre namorando porque eu sou "linda, loira, japonesa". A estrutura familiar que tive em casa foi fundamental para que a partir daí pudesse escolher pessoas para o meu convívio. Eu vivo numa bolsa de amigos e quando não os posso ver sinto falta deles. Todos os meus ex-namorados tornam-se amigos. Tenho sempre uma casa cheia e de portas abertas.
Uma forma de estar que já lhe tinha sido transmitida em casa, pelos seus pais?
Sim, é um reflexo da casa dos meus pais. A minha mãe a fazer umas comidas maravilhosas. O meu pai, um homem de cabeça muito aberta que ouvia todas as pessoas. Era um anarquista contra o poder e contra o "quero, posso e mando".
Espere um pouco, o seu pai era anarquista e simultaneamente crente em Deus? Isto só mesmo no Brasil…
É esta pluralidade, não é? Ele dizia: "Eu gosto da liberdade e a única coisa mais próxima disso é o anarquismo." E a família da minha mãe eram todos juristas e políticos de direita.
Voltando aos afectos, como está a sua vida em matéria de amores neste momento? Há um namorado novo?
Neste momento não, mas estou louca para me apaixonar. Não me apaixono já há algum tempo. O último ano e meio foi muito difícil porque a minha mãe teve um acidente vascular cerebral e foi muito violento. Eu e os meus irmãos abrimos mão da nossa vida pessoal procurando que este problema fosse reversível. Mas no final do ano passado concluímos que era irreversível. Voltámos a construir a nossa vida, tendo a nossa mãe sempre por perto. Foi um ano a confortar e agora quero me apaixonar para confortar o meu coração.
E é verdade que vai mudar-se definitivamente para Portugal?
Eu fico lá e cá. Já "moro" aqui há 25 anos. Houve uma época em que quis um monte no Alentejo, depois quis um apartamento em Lisboa. Acho que o meu canto é mais o Bairro Alto, Alfama… Depois, para envelhecer em paz, virá o montinho alentejano. Acho que o Alentejo é o lugar perfeito para a reflexão.
E vai continuar a cantar até…
Até que a voz me doa! (Gargalhada sonora a finalizar).
Texto: Nuno Calado Costa; Fotos: Paulo Lopes; Produtor: Romão Correia; Cabelo e Maquilhagem: Tita Costa com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel; Agradecimentos: Hotel do Chiado
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