Clara Pinto Correia
CLARA PINTO CORREIA revela pormenores do novo livro, na Praia da Adraga

Famosos

“Querer produzir boa literatura é como tentar cantar uma ária de Pucini no meio de um concerto heavy metal”
A mulher dos “mil ofícios” recebe-nos na esplanada da praia. “Estão prontos para ir para dentro de água?”, questiona. E, contrariamente ao que é habitual por estas paragens, o tempo e o mar convidam a uns mergulhos. Só ela acaba por os dar… e termina a sessão fotográfica completamente encharcada e com um sorriso de menina traquina na cara

Qui, 11/06/2009 - 23:00

A mulher dos "mil ofícios" recebe-nos na esplanada da praia. "Estão prontos para ir para dentro de água", questiona. E contrariamente ao que é habitual por estas paragens, o tempo e o mar convidam a uns mergulhos. Só ela acaba por os dar… e termina a sessão fotográfica completamente encharcada e com um sorriso de menina traquina na cara. Na entrevista, umas vezes mais efusiva, outras mais melancólica, conta que está finalmente em paz com o facto de não ter tido filhos biológicos e que, apesar de ainda só ter 49 anos, já assumiu os 50. "É uma idade que me fascina… já vi meio-século de realidade a acontecer e isso é um grande feito."
 
Escolheu dar esta entrevista na Praia da Adraga. Porquê?
Toda a Costa portuguesa onde há plataformas rochosas como estas, é extremamente rica em ouriços do mar e a capa do livro é um ouriço do mar a ejacular. Foi através do ouriço do mar que a fertilização foi vista pela primeira vez, no século XIX, por um senhor alemão na estão oceanográfica de Nápoles. Portanto, de certa forma, o ouriço também está na capa em homenagem à observação da primeira fertilização e nós estamos aqui na praia em homenagem ao ouriço do mar e à enorme riqueza de Portugal em espécimes desses e numa espécie de alerta do pouquíssimos uso que Portugal faz dessa riqueza. Para quem estuda biologia, basta vir à praia, estar nestas plataformas de rocha, arrancar meia dúzia de ouriços do mar, levar para o laboratório…
 
Um ouriço a ejacular na capa de um livro é pouco comum…
É pouco normal porque as pessoas estão pouco habituadas a conviver, por causa dos computadores, com a vida natural que está ao lado delas. Hoje em dia a maioria das pessoas se ouvir piar um mocho, não dá conta, se passar um morcego enxota-o e nem dá conta de que foi um morcego que passou… o voo rasante das andorinhas junto à água para beber ao fim da tarde provavelmente já é uma visão desconhecida dos jovens, das crianças. Está-se a perder cada vez mais o contacto com a beleza de toda a vida natural… e, no entanto, aqui na praia da Adraga estamos a uma hora de Lisboa… temos um ecossistema fabuloso que urge preservar e tratar com muito carinho e em vez disso estão a construir-lhes em cima casa e condomínios de luxo e toda a espécie de disparates que não deviam estar a fazer. Os filhos das pessoas estão a agarrar-se aos computadores e a jogar a qualquer coisa que não tem nada a ver com a realidade.
 
Mas depois são criadas quintas pedagógicas para mostrar as crianças que o leite não vem já empacotado…
Não tenho nada contra, mas é lamentável que tenha que se aprender o que é o Mundo assim, porque o Mundo posto desta forma, até parece que tem que existir dentro de uma cerca. Ou seja, parece que a Natureza nos é alheia, que nos é estranha, que não está dentro do nosso enquadramento, que não pertence à nossa vida e tem que ser vista de um jipe.
 
Porquê este livro nesta altura?
Porque me parece muito importante partilhar com as pessoas – numa altura em que esse contacto com a Natureza está a perder-se – toda a beleza, toda a imaginação… É preciso recordar às pessoas que a Natureza é muitíssimo mais rica do que a ficção.
 
Bióloga, escritora, cientista, professora universitária, jornalista, cronista, mulher, mãe sem falar nas prestações como actriz e apresentadora… várias facetas de uma mesma pessoa ou transforma-se para "viver" cada uma delas?
Não. É sempre a mesma pessoa. Sou por natureza muito curiosa, gosto muito de aprender, gosto muito da vida e de estudar. Portanto tudo o que sejam desafios de tentar aprender a fazer alguma coisa que nunca tenha feito e que não saiba, é fascinante. Algumas solicitações não respondo porque não posso, outras por curiosidade respondo e depois arrependo-me, porque estiquei demasiado a corda ou expus-me desnecessariamente, mas regra geral as coisas em que me empenho mesmo dão-me muito gozo fazer e que geralmente se saldam em experiências irrepetíveis! Se me tirassem o tempo para investigar, ler e escrever transformar-me-ia numa pessoa muito infeliz. Tal como se me tirassem o tempo para mergulhar nas ondas frias destas praias.
 
Neste momento que desafio a tentava?
Tenho um, mas ainda é muito cedo para falar nisso e depois tenho outro espantoso, que foi congeminado entre o meu marido e eu, que é uma exposição chamada "Sexpressions" que vai estar patente ao publico no Centro Cultural de Cascais no final deste ano. Isso sim é uma coisa lindissima, muito inovadora, nunca vi em lado nenhum um  trabalho como o que nós estamos a fazer. Espero que as pessoas gostem, mas a mim, deu-me um enorme prazer trabalhar com o Pedro Palma nesta exposição de fotografia e texto.
 
É fácil trabalhar com o marido?
Não! (risos) Nada, mas é muito estimulante. 
 
Pegando no título do livro, "Maravilhosa Aventura da Vida". A sua tem sido assim?
Não! Penso que não há ninguém que tenha uma vida maravilhosa. A vida é composta por momentos maravilhosos para todos nós, por momentos extremamente duros, e penso que toda a gente sofre por igual medida, mas de formas diferentes e enfrente essa dor de formas diferentes. Penso que tenho um dom que me tem ajudado muito. Sou muito rápida e muito aberta a tirar partido dos meus momentos bons e de felicidade. Recarrego as baterias muito rapidamente com eles e esqueço muito depressa as minhas grandes tristezas. Houve coisas na minha vida que me doeram horrorosamente e quase deram cabo de mim, mas guardei-as num buraco muito, muito fundo do meu sub-consciente. Quando vem à superfície doem como doeram na altura, mas estão guardadas, processadas estão lá muito no fundo. No meu dia-a-dia não me lembro delas. A pessoa tem que aprender a defender-se! Já não tenho 20 anos…
 
Pois, são 49 anos…
Gosto de dizer que já são 50. (Risos) Gosto da sensação de já cá andar há meio-século. É uma idade que me fascina… já vi meio século de realidade a acontecer e isso é um grande feito. Este ano, por exemplo, dei-me conta de que estava a celebrar 25 anos de carreira literária e também fiquei muito impressionada. São muitos anos, já é muito tempo. Já é muita procura de tentar chegar às pessoas e de falar com elas.
 
E sente que tem sido bem sucedida?
É cada vez mais difícil chegar às pessoas porque o mercado literário está igual ao resto do mundo, ou seja está uma porcaria cada vez pior (risos) e tem vindo a ser colonizado pela tendência para nivelar por baixo e produzir em massa cada vez pior e mais barato e objectso cada vez mais plastificados.
 
Hoje em dia qualquer pessoa escreve um livro, é isso?
Não é só isso, porque se qualquer pessoa escrevesse um livro e fossem bons queria dizer que o ensino tinha melhorado imensissimo, que a cultura das pessoas tinha progredido na medida do progresso dos transportes, da qualidade da imprensa, da internet, etc… seria óptimo, mas não. Aquilo que verificamos é excatamente o efeito contrário. É o da procura de qualquer coisa qaue seja muito fácil de ler, que se leia rapidamente, que não exiga qualquer esforço, que não nos dê trabalho aos neurónios e isto está a acontecer no mundo inteiro. Quando se quer produzir boa literatura e trabalho que puxe pelo neurónio das pessoas é complicado porque um livro de fundo é terrível. É como tentar cantar uma área de Pucini no meio de um concerto heavy metal…
 
Como docente, que comentário faz à professora de História de Espinho...
Penso apenas que as pessoas estão completamente perdidas. É o único comentário que me ocorre. As pessoas não sabem como escolher um caminho, nem sequer é que caminho, é como escolher um caminho. Estamos a viver numa sociedade à deriva. Não é só essa professora, não são só os pais das criançinhas, nem as proprias. É sociedade globalizada é uma sociedade à deriva e isso é muito perigoso e exige de nós uma capacidade de dar um passo para o lado e dizer "à dervia não ando"… e exige uma capacidade de pensarmos por nós próprios que nunca teve paralelo na sociedade ocidental.
 
E como mãe, que avaliação faz do caso da menina Russa… acha que alguém está a pensar na Alexandra?

Penso que os Tribunais de menores e as instituições de apoio às famílias estão tão completamente cheios de chagas que é uma caixa de pandora. Tenciono, a breve prazo, escrever sobre isso porque também tenho tido experiências pessoais extremamente desagradáveis a esse nível e muitos pais tem falado comigo por causa das experiências deles. Ninguém está a pensar em nada… só estão a pensar nos papeis, nas leis e no seu próprio umbigo e como é que vão arranjar o cabelo para aparecer na televisão ou ser fotografadas… nos seres humanos não estão a pensar de certeza.
 
Tem dois filhos adoptados, estuda e escreve bastante sobre a fertilidade, até hoje não teve filhos biológicos. Isso é o seu "calcanhar de Aquiles"?
Não, é daqueles grandes desgostos que a pessoa tem e depois aprende a viver com ele. Estou perfeitamente em paz com isso.
 
É uma das tristezas guardada no tal buraco muito profundo?
Sim, mas com essa então fiz mesmo as pazes. A vida não me deu isso, mas deu-me tantas outras coisas…
 
Alguma vez pensou "porquê eu?"…
Claro! Quando era miúda pensava nisso o tempo todo, chorava muitas vezes. Foi um desgosto enorme, para mim, não poder ter filhos, mas já passou. Já tenho 50 anos, já nem sequer está na altura de pensar nisso.
 
Os seus filhos são adolescentes. Como está a ser lidar com essa fase?
Difícil, como todas as experiências da  adolescência.
 
Quando os adoptou já não eram bebés.
Tinham seis e sete anos.
 
É mais complicado pegar numa criança nessa idade…
Claro que é mais complicado!
 
Considera-se uma mulher fora do sistema?
Sinto isso através do olhar das pessoas. Por mim sinto-me muito mais fora do sistema por me considerar, muitas vezes, uma reliquia medieval. (risos)
 
Texto: Carla Simone Costa; Fotos: Jorge Firmino; Maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybeline

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