O Museu da Marioneta, instalado no Convento das Bernardas, em Lisboa, serviu de palco para a entrevista concedida por Maria Rueff a Manuel Luís Goucha na emissão deste sábado do programa da TVI “Conta-me”. Durante a conversa, a atriz, de 48 anos, falou abertamente pela primeira vez sobre o enfarte do miocárdio que sofreu em novembro de 2019.
Em jeito de provocação, Manuel Luís Goucha questionou Maria Rueff se já tinha deixado de fumar. A atriz disse-se em “processo” para tal. “Perdi um irmão com o mesmo problema e ele era o único de todos nós que não era fumador”, constatou.
A artista recordou, então, o dia em que tudo aconteceu. “Sabia todos os sintomas, porque o meu irmão passou por isso. Eu não fui visitada um segundo pela ideia [da morte]. Nem percebi que era do coração”, assumiu, enumerando que, entre os sintomas, sentiu “um pneu em cima do peito” e “uma espécie de garrote no braço esquerdo”, além da sensação de estar a “ficar paralisado” na zona da cara. “Isso, sim, preocupou-me muito, porque eu só pensava como é que a seguir ia trabalhar”, disse.
Maria Rueff pensou que estivesse a sofrer “uma espécie de trombose” e que “iria ficar desfigurada”. “Tive muita sorte no processo todo. O INEM chegou logo, cheguei imediatamente ao [Hospital de] São José, não havia trânsito…”, relatou.
A filha, Laura, que a atriz classificou de “mulherão”, tinha apenas 15 anos e “tratou de tudo”. “Foi ela que me deu imensa força. Aliás, eu disse aos médicos: ‘Olhem, deixem entrar a minha filha, porque eu tenho de ligar ao Herman [José] e tenho de ligar para a rádio'”, recordou. Aliás, o trabalho foi, na altura, um pensamento constante: “Já no meio das maquinetas, quase a ser intervencionada, só dizia: ‘Eu tenho de gravar!’.”
Maria Rueff: “Só me aflige a ideia de ainda faltar à Laura”
Passados apenas “15 dias” do enfarte, Maria Rueff já “estava a fazer humor”. Consciente de que a recuperação “ainda está a ser feita”, admitiu que este problema de saúde “mexe muito” com ela.
“Não pensei logo [na morte]. A seguir, tive uma espécie de ressaca e comecei a perceber tudo o que podia ter acontecido”, referiu, revelando como lida hoje com a ideia de finitude: “Só me aflige a ideia de ainda faltar à Laura, de lhe falhar. Sinto que, como mãe, ela ainda precisará da minha presença. De qualquer forma, eu já tinha vindo a fazer uma espécie de processo de arrumar pastas – ou quando fica qualquer coisa por dizer, ou fazer alguns pedidos de desculpas… Desde os 40, talvez, tenho tido uma preocupação em suavizar as arestas.”
E porque o tem vindo a fazer? “Porque gostava muito de partir sem deixar nenhum rasto…”, respondeu a Manuel Luís Goucha. Tal não aconteceu, por exemplo, com a já referida morte do irmão João, corria o ano de 2010. “Foi repentina. Não me despedi, não lhe disse, se calhar, as vezes suficientes o quanto o amava… Isso, com a minha mãe, pude fazer”, disse.
Maria Rueff sobre a mãe: “A memória dela é tão estruturante, tão forte…”
Aliás, a mãe, Julieta, também foi assunto no programa “Conta-me”. “A minha mãe sobreviver-me-á e à nossa família. A memória dela é tão estruturante, tão forte…”, afirmou Maria Rueff, que assumiu que tem como “sonho poder, um dia, chegar aos calcanhares” da progenitora.
“Vou comparar a minha mãe ao Herman. Quando tens o privilégio de lidar com pessoas muito fortes, que são monumentos… Eu sou filha de um monumento e tenho um par artístico que é um monumento. Depois, é muito difícil lidar com o poucochinho, porque as referências são enormes”, disse a Manuel Luís Goucha.
A atriz não esconde que tal lhe provoca “um grande peso”, mas também “um profundo privilégio”. “Este acidente de saúde fez-me repensar muitas coisas. Digamos que talvez iniciei um processo – também um luto – dessa tal exigência e, de alguma forma, agora, estou a permitir-me mostrar alguma fragilidade, que acho que nunca pude mostrar muito”, admitiu.
“Já tive de fazer rábulas tendo enterrado uma mãe e um irmão poucos dias antes”
Ligada desde sempre à comédia, Maria Rueff falou ainda do “muito violento” que é fazer rir os outros quando a vontade escasseia. “Já tive de fazer rábulas, por exemplo, em direto, nos Globos de Ouro, tendo enterrado uma mãe e um irmão poucos dias antes. Não sou só eu. O Herman a mesma coisa”, exemplificou, recorrendo à máxima “The show must go on” – “O espetáculo tem de continuar”, em português.
“É muito duro mas, ao mesmo tempo, é a tal coisa do serviço. Digo sempre que isto é um sacerdócio. Isto também é um privilégio, tem as suas faturas – aliás, acho que o meu corpo já começa a apresentar algumas faturas desses tais ‘esticares’ de corda. E há um dia em que o músculo rompe, claro que sim. Mas é essa a função. Isto só faz sentido se se abraçar assim, a 100%, com tudo o que há de bom e mau”, vincou.
Texto: Dúlio Silva; Fotos: Arquivo Impala e reprodução redes sociais
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