Xana Abreu foi convidada de Daniel Oliveira, este sábado, no “Alta Definição” da SIC. Mais conhecida por “Xana Toc Toc”, a artista abriu o coração ao apresentador e falou sobre a infância marcada pela ausência do pai, a relação conturbada com a mãe, da adolescência onde se sentia “aprisionada” pela mãe, da dura batalha contra o cancro e do final do projeto infantil: Xana Toc Toc.
A infância marcada pela ausência do pai
“Quando era pequenina diziam que eu era pessoa muito sociável, mas muito carente. Vem da infância, o meu pai foi-se embora tinha eu um ano. De certa forma senti-me responsável pela separação dos meus pais. Sempre soube que não era uma criança bem-vinda para o meu pai. Quando nasci ele foi embora. É difícil uma criança saber disto. Sempre me fez muita falta”, recorda.
“Aos seis anos apareceu e desapareceu, no mesmo dia. Lembro-me de chorar baba e ranho. Lembro-me das lágrimas que deitei nas escadas do meu prédio. Queria ir a correr atras do meu pai, sabia que ele ia embora para sempre”, lamenta. Mais tarde, o pai de Xana Abreu voltou. “Aos 17 anos apareceu outra vez, mas eu tive a decisão de não o voltar a ver. Já não era pai, era uma pessoa estranha. Preferi não ter mais contacto com ele.” “Desconheço o paradeiro, acho que ele já não está vivo”, adianta.
A relação conturbada com a mãe
Apesar de viver apenas com a mãe e com o irmão mais velho, Xana considera que a mãe a culpava pela ausência do pai. “Era um amar dela, muito próprio.”
“Agora que a minha mãe partiu, percebo coisas que não percebia antes. Percebo o amor todo que ela tinha por mim, mas na altura ela tirava-me a liberdade. Liberdade de expressão, de sair à rua. Nunca podia sair, sentia-me prisioneira da minha mãe. Sentia que ela não me queria ver feliz.” “A minha mãe era uma pessoa muito nervosa. Batia-me bastante. A minha família não sabe. Por qualquer coisinha. Eram nervos à flor da pele. Descarregava em mim. Mas pior era a psíquica. Fica marcada para sempre. Tinha um jeito de amar que me tirava toda a liberdade, fazia de mim prisioneira dela.”
A gravidez durante o esgotamento
Marcada por uma infância pouco estável, já na universidade, Xana começou a ter ataques de pânico. “Passei, talvez por acumulação, por um esgotamento nervoso muito profundo.” “Procurei um psiquiatra na altura, estava no fundo do poço. Vivia com a minha mãe, mas o namorado da altura, que é o meu atual marido, levou-me para casa dele, com os pais dele. Foi difícil para mim. Estava apática, não tinha força”, relembra.
“Quando estava na universidade descobri que estava grávida.” Xana sempre teve o sonho de ser mãe. “Desde os 12 anos dizia que ia ser mãe de oito filhos”, conta. “Quando tinha brigas com a minha mãe, dizia-lhe: estás-me a ensinar muita coisa, vou fazer tudo aquilo que não fazes comigo, vou dizer tudo o que não me dizes (…) Quando lhe contei ficou em lágrimas. Abraçou-me.”
“O meu psiquiatra na altura disse: nem pensar, não podes ter este filho. Tinha que fazer um desmame [da medicação]. Cheguei a casa e pus os medicamentos todos de lado”, explica. “Tive uma gravidez muito difícil, no meio de um esgotamento e depressão profunda. Tinha medo que a minha filha nascesse nervosa.”
Mas não foi o que aconteceu. “A minha filha nasceu o bebé mais calmo do mundo. Nunca fez uma birra.” “Salvou-me. Quando vi aquele bebé, aquela coisinha, pensei: estou parva? Estou aqui com esta depressão? (…) Percebi que auela extensão de mim própria era o amor na sua essência. O meu amor é grande por causa dela.”
A filha de Xana chama-se Marta Peneda, é atriz e tem 23 anos.
“Tive uma vida muito dura quando era mais nova. E sou uma pessoa extremamente frágil. Não sou uma pessoa forte”, confessa.
O diagnóstico do cancro e o sucesso de “Xana Toc Toc”
Mais tarde, enquanto cuidava da mãe, que lutava contra um cancro, apercebeu-se que algo não estava bem com a sua saúde. “Numa fase em que a minha mãe também estava doente, eu estava a cuidar dela. Comecei a ter uma dor na mama. Fui ver o que era, ao IPO, e o médico disse: “Isto é assim, menina, o seu cancro está a evoluir monstruosamente dia após dia. Para a semana se calhar já não esta ca. Vai ficar na lista de espera para ser operada. Estava sem dinheiro, tinha acabado com o meu seguro de saúde. Pensei que tinha chegado a minha hora. Fui ao privado e a minha médica pegou em mim e disse: ‘hoje e amanhã vais fazer exames, terça vou-te operar.’ Senti uma coisa maternal dela”, diz.
Para os tratamentos, Xana revela que teve de “pedir dinheiro emprestado” a duas pessoas da família. “O meu dilema era: e agora? A minha mãe está doente e eu não posso ir lá. Disse ao meu marido para ir lá e fazer de conta que eu tinha ido viajar. Ela ligava-me a dizer: ‘já não queres saber de mim’. Tive que fazer quimioterapia e ausentar-me. Ela sentiu abandono da minha parte.”
Mais tarde, uma amiga aconselhou-a a contar a verdade à progenitora. “Disse à minha mãe. Ela partiu dias depois, piorou significativamente. Até hoje sinto essa culpa. Será que eu devia ter dito?”, questiona-se.
“Ironicamente, no dia em que estava a ser operada, o primeiro disco da Xana Toc Toc foi para as lojas. A seguir fiz quimioterapia. Não as fiz todas, o meu corpo não estava a aguentar. Não estava cá. Enquanto o meu companheiro, agência e editora dizia que estava há 40 semanas no top 1 em Portugal, isso para mim não significava nada.” “Depois comecei a erguer-me aos poucos. Perguntaram-me se tinha forças para os concertos e eu careca. Não estava preparada, mas foi o concerto mais especial da minha vida, o primeiro no Coliseu do Porto. Ganhei forças. Entretanto a minha médica disse-me que tinha de ser operada outra vez. A ironia da minha vida. Estava a ser operada e o meu segundo CD estava a ir para as lojas. O meu cancro foi profundo, tive uma invalidez de 73%”, revela.
Contudo, há danos físicos que nunca ficaram completamente curados. “Durante estes 10 anos de Xana Toc Toc achei que poderia atingir a felicidade plena. Mas a toxicidade dos químicos causam-nos danos. Não sei o que é silêncio há anos. Sinto um zumbido. Quero libertar-me desta violência que passei e o meu corpo pede calma. Só eu sei as dificuldades que tive em dar muitos dos meu os concertos. A quantidade de vezes que pensei: é neste palco que vou desta para melhor.”
O fim do projeto ‘Xana Toc Toc’
Em 2020 Xana Abreu tomou uma decisão “muito séria”: sair do projeto. “Já não tenho saúde. Não consigo fazer os concertos, são demasiado puxados. No fim fico duas semanas na cama. Por mais que queria, já me esforcei demasiado estes 10 anos (…) Sinto que estou a matar o projeto e o amor da minha vida. E a mim. A Xana Toc Toc é uma extensão de mim”, lamenta.
“Vou sair dos palcos enquanto ‘Xana Toc Toc’. Estou cansada de trabalhar muito. Cansada de fingir que estou sempre saudável, sempre bem. Muitas vezes estava em palco a ter vertigens e falta de ar. É muito sério.”
Xana termina a entrevista com uma novidade: “Não posso revelar ainda, mas vou dar a volta. A minha ilha dos sonhos está bem entregue” , finda.
Texto: Joana Dantas Rebelo, Fotos: SIC
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