Maria das Dores está presa há 12 anos pela morte do marido, o empresário Paulo Cruz. Foi condenada, em 2008, a uma pena de 23, pelo mais mediático dos crimes de sangue cometidos em Portugal.
Atualmente com 60 anos, a mulher decide contar a sua versão dos acontecimentos no livro ‘Eu, Maria das Dores, me Confesso”, escrito com a colaboração da jornalista Virginia López, e que chega às livrarias esta sexta-feira, dia 13 de setembro.
O livro foi apresentado à imprensa esta quinta-feira, dia 12 de setembro, e contou com a participação não só da profissional escolhida pela editora para auxiliar a escrita do livro, como também David Motta, o filho mais velho de Maria das Dores, fruto do primeiro casamento.
Virginia fala da sua experiência e do processo de decisão sobre se iria ou não escrever as palavras de Maria das Dores. «Inicialmente pensei: ‘Será que eu quero escrever a história da mulher que mandou matar o marido?!’. Tive de refletir e perceber se estava preparada para isso. Mas havia uma mulher que estava pré-disposta a contar, pela primeira vez, as suas razões, as suas emoções, os seus sentimentos…», começa por contar, acrescentado que foi «um projeto que durou, mais ou menos, seis meses».
«Encontrámos-nos várias vezes. Não foi na prisão. Foi fora. Maria das Dores tinha saídas precárias. Momentos muito intensos. O David Motta esteve sempre presente e foi muito importante para este projeto», realça.
Falar com Cristina Ferreira prejudicou Maria das Dores
Um das figuras que poderia ter estado presente na apresentação do livro seria a própria Maria das Dores, no entanto, não foi possível. David Motta explica o motivo e garante que “falar” (com Cristina Ferreira), prejudicou Maria das Dores.
«Acho que não era de conhecimento público que a minha mãe estava num regime de saídas precárias trimestrais. Regime RAI [Regime Aberto Exterior]. Como consequência à entrevista a Cristina Ferreira, esse privilégio foi imediatamente retirado. Saiu desse regime e voltou para a prisão, onde viveu praticamente 10 anos. De maneira que a última saída precária foi há três meses. Podia estar aqui connosco e escusava de estar eu, apesar do amor incondicional que tenho à minha mãe», refere.
David sempre esteve presente durante todo o processo que envolveu a escrita deste livro, mas nem tudo foi fácil. «Foi doloroso até porque houve muita coisa que a minha mãe disse à minha frente da intimidade dela com o marido que, apesar de eu ter vivido praticamente uma década com eles, há muita coisa que os filhos e os enteados não sabem».
«Há circunstâncias que terão levado a minha mãe a cometar um crime»
O filho mais velho de Maria das Dores fez também questão de esclarecer as intenções da mãe com a publicação deste livro. «Aproveito para dizer que a intenção da minha mãe, quando este projeto surgiu, não foi nunca branquear a imagem que as pessoas têm dela. Há um ser humano por detrás disto, há uma história, há um conjunto de circunstâncias que terão levado a minha mãe a cometar um crime. Já o reconheceu há algum tempo», diz.
«A minha mãe chegou agora aos 60 anos. Não quero dizer que há negligência médica dentro do esquema prisional. Porém, havia uma série de exames médicos, como biopsias, e a minha mãe aproveitou as saídas precárias, que deviam de ser para reinserção social e não para cuidar da saúde», conta David, revelando que uma das intenções da mãe com este livro é também deixar algo para o filho mais novo.
«A médica disse que havia uma grande probabilidade de ter algo maligno. Portanto, [Maria das Dores] pensou: ‘Tenho 60 anos, fiz o que fiz, o fim está perto e eu gostava de deixar alguma coisa ao meu filho mais novo’», revela.
Maria das Dores nunca mais viu o filho mais novo
O primeiro dia em que Maria das Dores entrou no estabelecimento prisional de Tires foi o último em que viu o filho mais novo. Duarte tinha, na altura, sete anos e foi a tribunal «pedir ao juiz para que a mãe não existisse mais».
David Motta garante não conhecer o irmão e que o mesmo tem o direito de escolher se quer ou não ler o livro da mãe.
«Duvido que o meu irmão, com sete anos, tenha alguma memória da mãe. Foi uma tentativa, também, de pedir perdão e de chegar até ele quando ele quisesse. É um homem com 21 anos, não tenho a felicidade de o conhecer. Estuda Medicina… É uma opção dele. Se quiser ler o livro, lê. Pode não ser agora por respeito aos avós, mas se tiver essa curiosidade e a minha mãe já não estiver cá, fica o registo», diz.
«Durante estes anos todos, tenho sido só eu a visitá-la»
David confessa que nunca se sentiu preparado para lidar com o crime cometido pela própria mãe, ainda assim, desprezar a progenitora nunca foi uma opção. «Decidi ficar do lado da minha mãe, não apoiar um crime, mas do lado humano», afirma.
«Quando eu visito a mãe, as outras reclusas têm famílias inteiras de cinco e seis pessoas. Durante estes anos todos, à excepção da irmã e de um melhor amigo, tenho sido só eu a visitá-la. E o meu trabalho implica que eu não esteja muitas vezes em Portugal, de maneira que, se não fosse eu, teriam sido dez anos efetivamente sem ninguém», continua.
Desde então, «aconteceram-me várias coisas, desde me partirem garrafas na cabeça por ser o filho da assassina, estar na ‘lista negra’ de muitos sítios que, antigamente, frequentava profissional e socialmente, ter perdido alguns amigos», revela.
«A família do lado da minha mãe também não conseguiu perceber que o amor por ela é incondicional. Portanto, tinha três opções: Preparar-me não era uma delas. As opções eram ‘nadar ou afundar’ e eu decidi nadar. A terceira opção poderia ser aquela que nunca equacionei que era rejeitar e afastar. Todos nós temos problemas, este calha ser um dos mais traumáticos da minha vida até agora», conclui.
Texto: Márcia Alves; Fotos: Nuno Moreira
Siga a Revista VIP no Instagram